“Com efeito, a economia mundial entou em paranóia; já não produz para o homem, produz para si própria. Tanto por suas qualidades essenciais, que são a prodigiosa produtividade e a inelutável propensão guerreira, como por sua conseqüência funcional, que é a incapacidade de implantar uma prosperidade generalízável a todos, a economia mundial – cuja racionalidade nunca foi humanitária – entrou em demência. Com efeito, nunca foi tão grande e crescente a prosperidade dos ricos e a pobreza dos pobres. Nunca as relações internacionais de intercâmbio foram tão desequilibradas e deformadas. Os pobres continuam subsidiando a riqueza dos povos ricos e se endividando astronomicamente.
No limite desta tendência, se nela persistimos, teremos fabulosas empresas, totalmente automatizadas, esgotando os bens da Terra para produzir quantidades e variedades imensas de inutilidades para nada! Os homens, a humanidade inteira, de braços cruzados, será um inútil exército de reserva das forças produtivas, morrendo de fome.
...O que pedem [os pobres] não é mais do que um emprego regular e modesto para cada homem e cada mulher adultos. É que todos comam todo dia. É que cada criança freqüente uma escola eficaz para um curso primário completo. É que, nas doenças mais graves, se conte com um médico e com remédios gratuitos. É, afinal, que uma casa modesta abrigue cada família. Não há, porém, qualquer dúvida de que esta utopia singela excede a tudo o que pode prometer à humanidade a economia mundial vigente. A continuar rodando pelos mesmos trilhos em que estamos, a situação dos povos pobres só tende a se agravar. Com que conseqüências?
...A maior ameaça que pesa hoje sobre a humanidade – ameaça que, finalmente, não é fatal nem inevitável – é, pois, a de mergulhar mais ainda na penúria, até a exaustão, numa era de fome e estupidificação. Tudo isto apenas para que os povos ricos fruam a riqueza acumulada e reativem uma civilização obsoleta, sem causa, sem missão nem apetite senão de enricar. Sua última grandeza será a de endurecer os corações e tapar os ouvidos para assistir, impávida, a humanidade morrer de fome. Estas são, a meu ver, algumas das questões cruciais que a Civilização Emergente coloca diante do homem. Como as resolverá, eu não sei. Sei apenas que a vida dos povos pobres será uma árdua e bela batalha por ideais muito concretos. Aqui, na calota de baixo do planeta, ninguém engordará inútil, nem se suicidará de tédio” (RIBEIRO, Darcy. “A Civilização Emergente”, In: Revista do Brasil, Departamento de Cultura da Secretaria de Ciência e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Ano I, No 3, 1985, p.34-35).
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