A EDUCAÇÃO E O CONTEXTO DA PROFECIA EVIDENTE
(pequenos trechos do capítulo 6 da minha tese de doutorado defendida em 1998 na COPPE/UFRJ)
A palavra cultura vem sendo interpretada, nos dias de hoje, de diversas maneiras e visões. É comum se usar a expressão “apoio cultural” para indicar o incentivo de um empresário a um determinado evento artístico. O que significa afinal a expressão “cultura”? E qual a sua relação com a educação? Acredito que o significado da expressão “cultura” vai muito além das nossas interpretações comuns e imediatas. Buscar as raizes do significado original é o primeiro passo para a compreensão da sua dimensão no espaço social e espiritual. As palavras “cultura, culto e colonização” derivam do “mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus. Colo significou, na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra, e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo. Um herdeiro antigo de colo é incola, o habitante; outro é inquilinus, aquele que reside em terra alheia. Quanto a agrícola, já pertence a um segundo plano semântico vinculado à idéia de trabalho. A ação expressa neste colo, no chamado sistema verbal do presente, denota alguma coisa de incompleto e transitivo. É o movimento que passa, ou passava, de um agente para um objeto. Colo é a matriz de colonia enquanto espaço que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar” (BOSI, 1994, p.11).
Assim, de “cultum, supino de colo, deriva outro particípio: o futuro, culturus, o que se vai trabalhar, o que se quer cultivar. O termo na sua forma substantiva, aplicava-se tanto às labutas do solo, a agri-cultura, quanto ao trabalho feito no ser humano desde a infância; e nesta última acepção vertia romanamente o grego paideia. O seu significado mais geral conserva-se até nossos dias. Cultura é o conjunto das práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social. A educação é o momento institucional marcado do processo... Cultura supõe uma consciência grupal operosa que desentranha da vida presente os planos para o futuro” (BOSI, idem, p.16).
Nesse sentido, o binômio culto-cultura é um vetor de transformação, ou seja, um sentido de transformação em que o homem se apoia para subsistir. É a semente da cultura absorvida tanto pelo solo quanto pela consciência humana. O “solo” é tanto um espaço objetivo externo quanto um espaço subjetivo interno onde se processa o caminhar material e espiritual da vida humana. A terra-chão é um espaço onde a semente de natureza orgânica é plantada. A consciência é um espaço interno onde a natureza humana colhe as idéias, os valores morais e os princípios éticos plantados. O tempo racional é o sentido entrópico. Quando o homem faz da sua consciência um solo sensível, ele muda o sentido da transformação. E em conseqüência disso, a terra deixa de ser aquilo que o homem vê e trabalha para transformar fora de si, e passa a ser o que ele é e trabalha para transformar sintropicamente dentro de si: além do tempo racional.
Nesse contexto, a palavra cultura tem duas naturezas de significados. O primeiro se refere a todo o esforço de criação e transformação na sua relação com o mundo concreto. E o segundo se refere a todo esforço de criação e transformação na sua relação consigo mesmo (mundo abstrato da consciência). Na relação entre essas duas forças externa e interna da cultura, nasce portanto a civilização.
Durante muito tempo, “houve uma questão de nomenclatura que separou os pensadores: a essa altura, a maior parte dos autores franceses tendia a confundir “cultura” e “civilização”, enquanto os alemães, vendo uma nítida diferença entre Bildung e Kultur, davam à primeira uma acepção mais intelectual. Na realidade, mesmo em francês, a palavra “cultura” tem um som mais espiritual: dir-se-ia, por exemplo, que a mediocridade das civilizações primitivas não nos deve enganar acerca de seus valores culturais; ou que uma nação pode ocultar, por trás de exterioridades muito civilizadas, uma cultura medíocre. Com o filósofo alemão Hegel, poderíamos aqui distinguir uma dupla marcha do espírito “subjetivo” e a do espírito “objetivo”. Falamos de cultura quando vemos o espírito humano criticar suas atividades, seus métodos, suas aquisições, seu progresso, e tentar melhorá-los para se libertar de seus próprios limites e de tudo que, partindo do interior, obstacula seu desabrochar. Por outro lado, falamos de civilização quando o espírito humano critica suas realizações externas, com o fito de se libertar daquilo que no exterior, se opõe à sua verdadeira condição. Pertencem pois à cultura as concepções, as teorias, os conhecimentos, as reflexões que formam a urdidura das religiões, das ciências, das artes, das técnicas..., à civilização pertencem, de preferência, as projeções concretas ou as realizações destas diversas conquistas da cultura. Assim, as leis eletromecânicas pertencem à cultura, porque elas são uma conquista do espírito sobre a ignorância atávica do mundo material; mas um trem elétrico é um produto da civilização, porque é ele uma vitória “realizada” pelo homem sobre o mundo material. Noutros termos, cada vez que o homem exerce seu esforço sobre si mesmo, fala-se de cultura; quando ele modifica o mundo, fala-se de civilização” (LALOUP & NÉLIS, 1966, pp.20-21).
Agora, podemos retornar a discussão inicial entre cultura e educação. Entendo que cultura significa, portanto, o processo pelo qual o homem cria e modifica o seu espaço físico e psicológico na intenção de melhorar as qualidades e modos de viver em conjunto. Ela é em síntese um processo de repetição de um culto conscientemente escolhido ou inconscientemente herdado. E a educação é o processo pelo qual a cultura orienta ou condiciona à construção da civilização. Em outras palavras, a educação é o esforço de sistematização e orientação de um determinado conjunto de conhecimentos, crenças, símbolos, técnicas, hábitos e costumes intrínsecos a uma determinada cultura num espaço de formação fisiológica, psicológica ou ontológica do ser. A educação é assim melhor compreendida como um esforço ou trabalho de transformação ética, estética e técnica da cultura em modelos de civilização. A educação é “ação exercida, isto é, processo, dinamismo, atividade pela qual a geração adulta transmite o seu patrimônio cultural, a sua herança social às gerações imaturas” (TORRE, 1976, p.228).
O conceito de educação aqui adotado tem também a seguinte conotação: “Educação é o processo que visa a levar o indivíduo, concomitantemente, a explicitar as suas virtualidades e a encontrar-se com a realidade, para na mesma atuar de maneira consciente, eficiente e responsável, a fim de serem atendidas necessidades e aspirações pessoais e sociais. O presente conceito focaliza, primordialmente, o homem, como centro e objeto fundamental da educação, porque dentro das circunstâncias em que se processa o fenômeno “vida humana”, ele, individualmente ou em grupo, é responsável pelo seu próprio destino. A educação tem de ajudar o indivíduo a se revelar como pessoa. Tem de ajudar o indivíduo a manifestar, de forma atuante, as suas potencialidades, a fim de que possa dizer “para que veio ao mundo”. Mas tudo isso tem de ser feito em consonância com a realidade de suas possibilidades e do mundo exterior. Só assim a educação não será alienada. Não uma educação para as nuvens, mas para a objetividade [e interioridade], a fim de que o esforço humano tenha um sentido de ajuda a si mesmo. Este encontro com a realidade não deve ser os limites fechados do “puro pragmatismo” ou do estrito “cientificismo”, porque seria matar muito do que o ser humano tem dentro de si...O encontro com a realidade tem por obrigação convencer o homem da inelutabilidade do princípio de causa e efeito e que lhe dará meios para torná-lo senhor do seu próprio destino. Tem por obrigação, também, despertá-lo para o estético, a fim de sensibilizá-lo para o belo que possa apreender em toda parte e em todos os fenômenos e que ele mesmo possa criar. Obrigação mais de sacudi-lo para a sua condição social, de convívio com seus semelhantes. Obrigação, além disso, de conscientizá-lo para o transcendental, em que todo o científico, o estético e o social podem alcançar uma dimensão maior” (ANÔNIMO, Caderno de Estudos, p.5).
Na relação professor/aluno o professor é o educador e o aluno o educando. O primeiro é o “agri-cultor” e o segundo o solo onde se planta a semente do conhecimento. As relações humanas estão sustentadas por esse princípio cultural. De um lado o “agri-cultor” e do outro aquele que recebe a cultura (o solo).
A partir dessa visão podemos agora compreender a importância da cultura e da educação na sociedade humana. A cultura, a educação e a civilização são portanto inerentes à condição evolutiva humana.
Prof. Bernardo Melgaço da Silva
e-mail: bernardomelga10@hotmail.com
(pequenos trechos do capítulo 6 da minha tese de doutorado defendida em 1998 na COPPE/UFRJ)
A palavra cultura vem sendo interpretada, nos dias de hoje, de diversas maneiras e visões. É comum se usar a expressão “apoio cultural” para indicar o incentivo de um empresário a um determinado evento artístico. O que significa afinal a expressão “cultura”? E qual a sua relação com a educação? Acredito que o significado da expressão “cultura” vai muito além das nossas interpretações comuns e imediatas. Buscar as raizes do significado original é o primeiro passo para a compreensão da sua dimensão no espaço social e espiritual. As palavras “cultura, culto e colonização” derivam do “mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus. Colo significou, na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra, e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo. Um herdeiro antigo de colo é incola, o habitante; outro é inquilinus, aquele que reside em terra alheia. Quanto a agrícola, já pertence a um segundo plano semântico vinculado à idéia de trabalho. A ação expressa neste colo, no chamado sistema verbal do presente, denota alguma coisa de incompleto e transitivo. É o movimento que passa, ou passava, de um agente para um objeto. Colo é a matriz de colonia enquanto espaço que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar” (BOSI, 1994, p.11).
Assim, de “cultum, supino de colo, deriva outro particípio: o futuro, culturus, o que se vai trabalhar, o que se quer cultivar. O termo na sua forma substantiva, aplicava-se tanto às labutas do solo, a agri-cultura, quanto ao trabalho feito no ser humano desde a infância; e nesta última acepção vertia romanamente o grego paideia. O seu significado mais geral conserva-se até nossos dias. Cultura é o conjunto das práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social. A educação é o momento institucional marcado do processo... Cultura supõe uma consciência grupal operosa que desentranha da vida presente os planos para o futuro” (BOSI, idem, p.16).
Nesse sentido, o binômio culto-cultura é um vetor de transformação, ou seja, um sentido de transformação em que o homem se apoia para subsistir. É a semente da cultura absorvida tanto pelo solo quanto pela consciência humana. O “solo” é tanto um espaço objetivo externo quanto um espaço subjetivo interno onde se processa o caminhar material e espiritual da vida humana. A terra-chão é um espaço onde a semente de natureza orgânica é plantada. A consciência é um espaço interno onde a natureza humana colhe as idéias, os valores morais e os princípios éticos plantados. O tempo racional é o sentido entrópico. Quando o homem faz da sua consciência um solo sensível, ele muda o sentido da transformação. E em conseqüência disso, a terra deixa de ser aquilo que o homem vê e trabalha para transformar fora de si, e passa a ser o que ele é e trabalha para transformar sintropicamente dentro de si: além do tempo racional.
Nesse contexto, a palavra cultura tem duas naturezas de significados. O primeiro se refere a todo o esforço de criação e transformação na sua relação com o mundo concreto. E o segundo se refere a todo esforço de criação e transformação na sua relação consigo mesmo (mundo abstrato da consciência). Na relação entre essas duas forças externa e interna da cultura, nasce portanto a civilização.
Durante muito tempo, “houve uma questão de nomenclatura que separou os pensadores: a essa altura, a maior parte dos autores franceses tendia a confundir “cultura” e “civilização”, enquanto os alemães, vendo uma nítida diferença entre Bildung e Kultur, davam à primeira uma acepção mais intelectual. Na realidade, mesmo em francês, a palavra “cultura” tem um som mais espiritual: dir-se-ia, por exemplo, que a mediocridade das civilizações primitivas não nos deve enganar acerca de seus valores culturais; ou que uma nação pode ocultar, por trás de exterioridades muito civilizadas, uma cultura medíocre. Com o filósofo alemão Hegel, poderíamos aqui distinguir uma dupla marcha do espírito “subjetivo” e a do espírito “objetivo”. Falamos de cultura quando vemos o espírito humano criticar suas atividades, seus métodos, suas aquisições, seu progresso, e tentar melhorá-los para se libertar de seus próprios limites e de tudo que, partindo do interior, obstacula seu desabrochar. Por outro lado, falamos de civilização quando o espírito humano critica suas realizações externas, com o fito de se libertar daquilo que no exterior, se opõe à sua verdadeira condição. Pertencem pois à cultura as concepções, as teorias, os conhecimentos, as reflexões que formam a urdidura das religiões, das ciências, das artes, das técnicas..., à civilização pertencem, de preferência, as projeções concretas ou as realizações destas diversas conquistas da cultura. Assim, as leis eletromecânicas pertencem à cultura, porque elas são uma conquista do espírito sobre a ignorância atávica do mundo material; mas um trem elétrico é um produto da civilização, porque é ele uma vitória “realizada” pelo homem sobre o mundo material. Noutros termos, cada vez que o homem exerce seu esforço sobre si mesmo, fala-se de cultura; quando ele modifica o mundo, fala-se de civilização” (LALOUP & NÉLIS, 1966, pp.20-21).
Agora, podemos retornar a discussão inicial entre cultura e educação. Entendo que cultura significa, portanto, o processo pelo qual o homem cria e modifica o seu espaço físico e psicológico na intenção de melhorar as qualidades e modos de viver em conjunto. Ela é em síntese um processo de repetição de um culto conscientemente escolhido ou inconscientemente herdado. E a educação é o processo pelo qual a cultura orienta ou condiciona à construção da civilização. Em outras palavras, a educação é o esforço de sistematização e orientação de um determinado conjunto de conhecimentos, crenças, símbolos, técnicas, hábitos e costumes intrínsecos a uma determinada cultura num espaço de formação fisiológica, psicológica ou ontológica do ser. A educação é assim melhor compreendida como um esforço ou trabalho de transformação ética, estética e técnica da cultura em modelos de civilização. A educação é “ação exercida, isto é, processo, dinamismo, atividade pela qual a geração adulta transmite o seu patrimônio cultural, a sua herança social às gerações imaturas” (TORRE, 1976, p.228).
O conceito de educação aqui adotado tem também a seguinte conotação: “Educação é o processo que visa a levar o indivíduo, concomitantemente, a explicitar as suas virtualidades e a encontrar-se com a realidade, para na mesma atuar de maneira consciente, eficiente e responsável, a fim de serem atendidas necessidades e aspirações pessoais e sociais. O presente conceito focaliza, primordialmente, o homem, como centro e objeto fundamental da educação, porque dentro das circunstâncias em que se processa o fenômeno “vida humana”, ele, individualmente ou em grupo, é responsável pelo seu próprio destino. A educação tem de ajudar o indivíduo a se revelar como pessoa. Tem de ajudar o indivíduo a manifestar, de forma atuante, as suas potencialidades, a fim de que possa dizer “para que veio ao mundo”. Mas tudo isso tem de ser feito em consonância com a realidade de suas possibilidades e do mundo exterior. Só assim a educação não será alienada. Não uma educação para as nuvens, mas para a objetividade [e interioridade], a fim de que o esforço humano tenha um sentido de ajuda a si mesmo. Este encontro com a realidade não deve ser os limites fechados do “puro pragmatismo” ou do estrito “cientificismo”, porque seria matar muito do que o ser humano tem dentro de si...O encontro com a realidade tem por obrigação convencer o homem da inelutabilidade do princípio de causa e efeito e que lhe dará meios para torná-lo senhor do seu próprio destino. Tem por obrigação, também, despertá-lo para o estético, a fim de sensibilizá-lo para o belo que possa apreender em toda parte e em todos os fenômenos e que ele mesmo possa criar. Obrigação mais de sacudi-lo para a sua condição social, de convívio com seus semelhantes. Obrigação, além disso, de conscientizá-lo para o transcendental, em que todo o científico, o estético e o social podem alcançar uma dimensão maior” (ANÔNIMO, Caderno de Estudos, p.5).
Na relação professor/aluno o professor é o educador e o aluno o educando. O primeiro é o “agri-cultor” e o segundo o solo onde se planta a semente do conhecimento. As relações humanas estão sustentadas por esse princípio cultural. De um lado o “agri-cultor” e do outro aquele que recebe a cultura (o solo).
A partir dessa visão podemos agora compreender a importância da cultura e da educação na sociedade humana. A cultura, a educação e a civilização são portanto inerentes à condição evolutiva humana.
Prof. Bernardo Melgaço da Silva
e-mail: bernardomelga10@hotmail.com
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