(http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/01/12/desastre-na-regiao-serrana-foi-maior-devido-ocupacao-irregular-do-solo-923492191.asp)
RIO - A chuva torrencial não é a única culpada pelo cenário avassalador da Região Serrana. Parte da tragédia deve ser atribuída à inércia de autoridades, que não investem no diagnóstico de áreas mais suscetíveis a tragédias ambientais, tampouco na retirada da população de regiões de risco. Esta é a opinião de Ana Luiza Coelho Netto, do Instituto de Geociências da UFRJ. De acordo com a pesquisadora, a vulnerabilidade de municípios como Petrópolis e Teresópolis é, há muito, conhecida, dada a sua localização, a frágil composição do solo e, principalmente, o modo irregular como foram ocupados por ricos e pobres.
Climatempo prevê mais chuva para Região Serrana
Para Ana Luiza, um dos exemplos mais notórios da falta de planejamento urbano da região é o bairro Caleme, em Teresópolis, localizado em um vale na estrada para Itaipava, um dos mais atingidos.
- Os deslizamentos convergem da encosta íngreme para o fundo do vale - explica. - Os rios serão a rota principal dessas avalanches na descida. Essas áreas jamais deveriam ser ocupadas. Existe uma ausência total de planejamento urbano, que perceba ou leve a sério fenômenos já esperados.
Na descida, os sedimentos tornam a água mais densa, aumentando a sua capacidade de destruição. A corrente ganha força para transportar objetos cada vez mais pesados, como troncos de árvores e blocos de detritos.
Desmatamento é problema grave
Segundo Ana Luiza, a maioria das prefeituras, se perguntada, afirmará ter mapa de risco. A metodologia desses trabalhos, porém, não raro é pouco confiável, e os cálculos são feitos sobre dados incompletos ou desatualizados.
- É só ver o tamanho do desastre. É impossível que um mapa de diagnóstico não tenha observado fatores de risco tão óbvios - condena.
Um dos ingredientes do desastre é o desmatamento. Solos montanhosos são especialmente vulneráveis. Mas, se ocupados por uma floresta conservada, a vegetação leva proteção às encostas. Não é o caso de boa parte da área atingida, onde o verde deu lugar a casas.
- Se existem áreas com escarpas rochosas e solo muito fino, como é característico das áreas montanhosas, será difícil impedir o estrago - lamenta a pesquisadora. - A água da chuva penetra pela fratura das rochas e a pressão a faz sair dali com muita potência, iniciando o deslizamento. A falta de drenagem, uma falha que deve ser comum naquela área, só aumenta o potencial de destruição, independentemente de haverem comunidades ou mansões no caminho.
Outro fator de risco, este natural, é a localização das cidades afetadas. Petrópolis e Teresópolis estão no topo da Serra do Mar - uma cadeia montanhosa que se estende de Santa Catarina ao Espírito Santo. Esta geografia é especialmente propícia à formação de chuvas. Ao se afastar da superfície, as massas de ar frio, densas e pesadas, deparam-se com aquela barreira e tendem a subir. Enquanto cumprem este trajeto, elas condensam e comportam menos umidade.
- A massa atinge a saturação e, assim, provoca chuvas - explica Ana Luiza. - É por isso que a serra, especialmente em seu trecho voltado para o mar, tem índice pluviométrico maior do que o registrado na Baixada Fluminense, por exemplo.
A Baixada, porém, não está livre das agruras registradas no topo da serra. As chuvas intensas descem e podem provocar inundações em localidades de Duque de Caxias, além de novos deslizamentos de encostas.
Quanto mais gente, mais risco
A sucessão de catástrofes no início do ano passado - Angra dos Reis em janeiro, Rio e Niterói em abril - mostra como a força das chuvas de verão é previsível. Ainda assim, só agora as cidades têm se mobilizado para fazer o levantamento de seus terrenos mais vulneráveis. Um trabalho semelhante é realizado pelo engenheiro geotécnico da Coppe Willy Lacerda, coordenador do Instituto Nacional de Reabilitação de Encostas e Planícies.
- Elaboramos mapas de suscetibilidade das encostas usando estudos de diversas áreas, como geologia e geotecnia - assinala. - A esse levantamento nós sobrepomos o mapa habitacional. Quanto maior a presença humana, maior o risco. Finalmente, depois de muito insistirmos, os governos têm se interessado por esse cálculo.
As autoridades terão de ser insistentes. Primeiro, porque todas as encostas na Serra do Mar são vulneráveis. Qualquer área dali que receba chuva forte por quatro dias, como já ocorre na Região Serrana, tende a desabar. Sendo assim, o manejo populacional, de acordo com Lacerda, é "inevitável".
- A ocupação irregular extrai a cobertura vegetal, desvia o curso das águas, ocupa os canais e arma o palco para a tragédia - destaca. - Não há uma solução definitiva sem um projeto que se estenda por, no mínimo, dez anos.